A realidade dos professores contratados em Portugal
"O que nós exigimos ao Ministério da Educação é que nos inclua no leque de professores a contrato sem termo"
César Israel Paulo, Presidente da Associação Nacional dos Professores Contratados (ANVPC), é docente a contrato há 14 anos. Deveria integrar os quadros desde 2003. Em 2014, continua sem perspetivas de entrada na carreira.
“Uma das poucas coisas que ainda me faz querer ser professor é sentir que estou ao serviço dos meus alunos, muito mais do que ao serviço do Ministério da Educação”, afirma.
A ANVPC surge em 2012. Qual foi o propósito da sua criação?
Sentimos que, por muito que as associações sindicais dissessem que estavam a trabalhar em prol dos professores contratados, nós não sentíamos uma ação efetiva de peso. Não criamos um sindicato porque achávamos que não devíamos dividir mais o que já está dividido. Assim, criamos uma associação que nos permitisse trabalhar com os sindicatos. Julgo que mesmo os mais céticos já nos veem como alguém que quer resolver problemas e não criá-los. Os professores contratados também têm filhos no sistema público de educação. Há famílias em que um docente, a contrato, trabalha numa zona do país e a esposa ou o marido na zona contrária.
A que ritmo tem evoluído o número de sócios?
Tem aumentado exponencialmente, sobretudo, a noção de associativismo. Temos recebido nos últimos dois anos telefonemas de pessoas em absoluto desespero. Há quem viva em situações degradantes: o casal desempregado, pessoas que deram anos e anos ao sistema público de ensino, que pagaram para trabalhar durante muitos anos, que se deslocaram pelo país a pagar tempo de serviço. As pessoas investiram na sua possibilidade de carreira e isso foi absolutamente aniquilado.
O que é que os professores contratados reivindicam?
O que nós exigimos ao Ministério da Educação é que nos inclua, aos professores a contrato com prazo, no leque de professores a contrato sem termo.
Quais são as implicações, para os professores, da aprovação do diploma para o segundo concurso extraordinário de vinculação de docentes?
Significa uma grande divergência da ANVPC com o Ministério da Educação, por uma razão: o governo criou muito recentemente algo que já há anos devia ter sido criado, uma norma travão que faz com que um professor ao fim do quinto contrato sucessivo tenha de entrar automaticamente para os quadros e não o aplica retroativamente. Este decreto-lei é um erro crasso e vai ter grandes implicações no sistema público de ensino porque irá também vincular professores, alguns deles com poucos anos de serviço. Somos absolutamente contra a publicação deste diploma.
O ministro da educação referiu-se ao mesmo diploma como sendo a oportunidade para tornar o sistema de ensino de excelência. O que pensa desta perspetiva?
Excelência é uma palavra que o ministro tem usado desde que iniciou o seu mandato. O problema é que nós vemos tudo a piorar. Por exemplo, o ministro quer a excelência no sistema público e cortou recursos humanos, materiais e financeiros. Portanto, já tivemos cerca de 6% de investimento na educação anual em termos de orçamento de estado e neste momento estamos com pouco mais de 3%. Não compreendemos como é que é possível que alguém ainda acreditar naquele chavão que é ‘fazer mais com menos’.
A escola pública está em risco?
Sim. Nestes últimos anos, tem sido alvo de um ataque severo. Este é um governo neoliberal e, diria mesmo, extremista, e que tem colocado a escola pública em colapso.
O que é que aconteceu aos 20 000 professores que, nos últimos dois anos, perderam o contrato?
Até nós temos alguma dificuldade em perceber aonde é que eles andam. Muitos emigraram, outros passaram para atividades indiferenciadas, outros ainda vivem do subsídio de desemprego. A verdade é que esses indivíduos fazem falta nas escolas. Nós temos neste momento uma escola esvaziada. Hoje é difícil pôr em marcha projetos ou atividades com os alunos, inclusive fora da escola, porque não há recursos humanos para isso.
Em que situação se encontram os ideias de Abril no campo da educação?
Há uma linha condutora internacional em que se considera que deve haver uma aproximação da escola ao comércio. A educação move biliões. É uma fatia apetecível para os mercados. Ao nível de concursos, é dada prioridade a docentes do ensino privado e cooperativo. Neste momento, o Estado é livre de financiar uma escola privada, mesmo existindo uma pública ao lado. Estamos a caminhar a passos largos para a privatização do sistema público de ensino e eu temo que mesmo com todo o esforço de bloqueio que tem sido feito pelos próprios professores, contra o ataque que tem sido desferido pelo Ministério de Educação e Ciência contra a Escola Pública, se atinja rapidamente dois modelos diferenciados de educação: um para pobres (sem qualidade de ensino e parco em recursos) e outro para ricos (com altos níveis de qualidade e recursos). E lá estamos nós a voltar 40 ou 50 anos atrás.
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