João Dias da Silva, professor e sindicalista
"Há combates aí pela frente"
Atualmente
a cumprir um novo mandato de quatro anos, João Dias da Silva, secretário-geral
da Federação Nacional da Educação (FNE), foi professor durante 26 anos. Relativamente
ao futuro da classe docente, o dirigente sindical destaca a necessidade de
Portugal regressar "a políticas que visem
a dignificação dos trabalhadores".
Depois de 26 anos de existência quais são as ações da FNE que destaca?
Conseguimos fazer com que os professores tenham uma carreira. Houve, também, ganhos significativos na estabilização dos professores nos quadros. O direito ao subsídio de desemprego é outro exemplo. Só no final do século passado é que foi estabelecido. O direito à formação contínua também foi uma conquista significativa. Para tornamos as profissões atrativas, estas devem ser dignificadas, reconhecidas e valorizadas. Essa tem sido a grande conquista, com impacto na qualidade do sistema educativo.
Considera que, atualmente, as conquistas da FNE estão em causa?
É evidente que sim. Hoje repetem-se situações que caracterizavam a educação há 40 anos. Nessa época a luta era acabar com o horário de trabalho de 40 horas na Educação e agora estamos novamente com esse período de trabalho. Estamos a viver um período, desde 2004, e de forma mais intensiva nos últimos três anos, em que, por exemplo, o aumento do número de alunos por turma e a redução do número de escolas através dos agrupamentos se traduziram num retrocesso significativo para os trabalhadores que representamos e para a qualidade e a equidade do sistema educativo. É necessário que haja o retorno a políticas que visem a dignificação dos trabalhadores.
A luta pelos ideais da FNE continua a fazer sentido?
Sim. Neste momento, queríamos, pelo menos, retomar os pontos em que estávamos quando se iniciou o programa de ajustamento financeiro. Aquilo que acontece é que as pessoas passaram a ter menos poder de compra. Isto é visível nas famílias que retiram os seus filhos do Ensino Superior e na opção dos próprios alunos em abandonarem os cursos porque não têm condições económicas para continuar.
As condições de trabalho na escola sofreram alterações nos últimos dez anos?
O período mais recente foi muito duro em termos de aumento de tempo de trabalho desnecessário, sobretudo a nível burocrático e administrativo. A consequência é que o tempo de trabalho com os alunos diminuiu. Isto é um processo que, de uma forma muito forte, tem início em 2007 e que se tem prolongado.
Em que situação se encontra a autonomia dos professores e das escolas?
Se há coisa de que não se pode falar é de autonomia. A primeira vez que num diploma legal sobre o setor público se fala em autonomia foi em 1989. Já passaram 25 anos, 14 ministros da Educação e quase nada mudou.
Exercer a autonomia é difícil e exigente, traz responsabilidade. É mais fácil não ser autónomo, respeitar as ordens que se recebem. Mas, o exercício não-autónomo da profissão é muito curto e limitado. O que tem de ser promovido é que as escolas e os professores possam, autonomamente, tomar decisões adequadas a situações concretas.
Que balanço faz sobre os diálogos entre a FNE e os sucessivos Governos?
É sempre muito complicado. Precisávamos que os Governos entendessem que os sindicatos são parceiros de idêntico nível e que quando estamos em negociação somos duas partes que valem o mesmo. Nenhuma leva no bolso a solução certa. A negociação e a concertação não se fazem sem diálogo. É por isso que, às vezes, é preciso sairmos da mesa negocial e ir para a rua, para a manifestação e para a greve. Os Governos têm a tendência para achar que a sua posição é a do bom senso e que nós somos uns indivíduos que tem o único objetivo de defesa de interesses corporativos. É a ideia de que os sindicatos são contra o progresso social, que só querem salários e condições de trabalho. É preciso um esforço muito grande para fazer compreender as nossas posições.
O que pensa da possível integração do setor da Educação no Acordo Transatlântico do Comércio e do Investimento?
Essa é uma questão que tem preocupado os sindicatos por todo o Mundo. Temos insistido na ideia de que a Educação não é um bem transacionável. É um produto ligado aos valores. Aquilo que nós combinamos a nível europeu foi que todas as organizações sindicais da Corporação do Apoio à Educação tomassem uma ação pública e política de combate à integração da Educação nesse tratado. Quisemos marcar, desde já, uma posição: ‘Cuidado, não mexam na Educação!’.
O que está previsto para um futuro próximo na FNE?
Temos de conseguir impulsionar o descongelamento e a progressão das carreiras, acabar com a precariedade, diminuir a carga laboral e combater pela autonomia das escolas e dos profissionais. Há combates aí pela frente.
O que representa o movimento pró-sindical atualmente?
Temos de repensar o sindicalismo. Não vale a pena estar com ilusões de que o sindicalismo tem hoje o mesmo nível de adesão que tinha há 40 anos. Hoje, o indivíduo vale muito mais do que o coletivo. Aliás, o próprio mercado de trabalho criou mecanismos de individualização dos problemas. A diminuição da negociação coletiva, a impossibilidade de se acolherem todas as negociações, as novas tecnologias, tudo isso são desafios. Os sindicatos não souberam ao longo do tempo fazer a sua renovação. Fazer com os jovens se sintam atraídos pelo sindicalismo é fundamental. Para mim é muito claro que aquilo que serviu de modelo há 40 anos para a FNE, não pode continuar a ser a referência. Temos de mudar no sentido daquilo que são as novas realidades.
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